Antes de adentramos no tema propriamente dito deste artigo, se faz necessário entender a evolução histórica da pessoa com deficiência.
Na história antiga, as pessoas com deficiência não eram consideradas sujeitas de direito e consequentemente eram excluídas da vida em sociedade, muitas vezes escondidas por seus familiares. Na Roma antiga existia a chamada Lei das XII Tábuas, na qual os pais tinham permissão para sacrificar os filhos que nasciam com algum tipo de deficiência, por serem considerados deformados. [1]
Na era do Cristianismo, por sua vez, os que antes eram considerados deformados e excluídos da sociedade, passaram a ser considerados filhos de Deus, consequentemente deixando de serem vistos como coisas, mas sim como pessoas, e, assim, obtendo ajuda através da caridade e empatia que permeava a doutrina cristã, no entanto, a igualdade de status moral ou teológico ainda não correspondia a uma igualdade civil, de direitos. [2]
Com o passar do tempo e o avanço da ciência, as pessoas com deficiência puderam ter acesso a instrumentos que facilitaram as suas limitações, como por exemplo, a criação do Sistema Braille de leitura e escrita para cegos e o uso de cadeiras de rodas que possibilita o deslocamento das pessoas que não podem andar. Assim, em 10 de dezembro de 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é usado como base para a luta universal contra a opressão e a discriminação.
Nos tempos atuais, temos como Carta Magna a Constituição Federal de 1988, a qual traz regras e direitos que visam a proteção e bem-estar dos brasileiros.
Com base no artigo 5º da Constituição Federal, todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza. O Código Penal, inclusive, ratifica essa igualdade com a tipificação de preconceito e discriminação, trazendo a possibilidade de punição.
Embora exista no ordenamento jurídico a igualdade sem distinção de qualquer natureza, na pratica por muito tempo isso não foi “efetivado”, visto que pessoas com deficiência eram esquecidas no mercado de trabalho e com base nesse preceito, surgiu então a Lei n° 7.853/89, mais conhecida como Lei de Cotas.
A Lei de Cotas, estipula em seu artigo 2°, II, C e III, b que a pessoa com deficiência deve ter amparado o seu direito de ingresso no mercado de trabalho, através de ações governamentais necessárias ao seu cumprimento.
Desse modo, por meio da Previdência Social, surgiu a implementação da habilitação e da reabilitação profissional, na qual o artigo 89° da Lei n° 8.213/91, afirma que deverá ser proporcionado a pessoa com deficiência os meios para o desenvolvimento de suas atividades profissionais no mercado de trabalho, dentro do contexto e realidade em que vivem. Ou seja, as pessoas com deficiência são habilitadas ou reabilitadas pelo INSS, que emite o certificado na sua conclusão, indicando as atividades que poderão ser exercidas pelo beneficiário.
A mesma Lei que trata da habilitação e reabilitação, traz em seu artigo 93° o percentual de cotas destinadas as pessoas com deficiência, as quais variam de dois a cinco por cento das vagas. O percentual é dividido da seguinte forma:
De 100 a 200 funcionários: 2%
De 201 a 500 funcionários: 3%
De 501 a 1000 funcionários: 4%
De 1001 em diante: 5%
Para fins de contabilizar o percentual indicado, é levado em consideração todos os trabalhadores da matriz e filiais da respectiva empresa, chegando ao resultado do quadro de funcionários para aplicação da porcentagem correta das cotas.
Vale destacar que ao realizar o somatório de funcionários com o percentual indicado, havendo valores quebrados, deve sempre ser arredondado para cima. Logo, se a empresa conta com um quadro de 100 funcionários, é necessário contratar 2 funcionários com PCD, no entanto, se uma empresa tem um quadro de 130 funcionários, o somatório percentual equivale a 2,6 e não existe possibilidade de contratar meio funcionário. Logo, a empresa precisará contratar 3 funcionários com PCD para então cumprir o exigido por Lei.
Em 2015 foi implantado o Estatuto da Pessoa com Deficiência, por meio da Lei n° 13.146/15, o qual aborda os direitos da pessoa com deficiência e traz detalhes pontual para cada “momento” garantindo a igualdade, inclusão social e cidadania das pessoas.
O desenvolvimento desse artigo, deixa claro que a pessoa com deficiência deve ser respeitada e ter condições de igualdade sem distinção de qualquer natureza com os demais. Logo, se desde a Constituição de 1988, o PCD tem seus direitos garantidos, o que muda com a Lei de Cotas e o Estatuto da Pessoa com Deficiência?
Muda a aplicabilidade da Lei.
A Constituição traz os direitos fundamentais e a igualdade sem distinção de qualquer natureza, no entanto, não traz penalidades a não aplicabilidade em relação ao mercado de trabalho, por exemplo. Ou seja, a pessoa com deficiência tem esse direito garantido apenas com a Constituição, no entanto, a falta de critérios para que a teoria seja convertida em pratica, deixa as pessoas em situação vulnerável e basicamente “a contar com a sorte” de uma empresa humanizada dar a oportunidade da vaga.
Por essa razão, a Lei n° 8.213/91 dispõe da obrigatoriedade desse direito, ou seja, as empresas deixam de ter que ir pelo princípio da igualdade para a obrigatoriedade de contratar as pessoas com deficiência. Com o advento dessa Lei, houve então o quantitativo de vagas a serem destinadas e quais empresas tem que cumprir o dispositivo, pois o não cumprimento acarreta uma multa. Em 2023, os valores variavam de R$ 3.100,06 (três mil e cem reais e seis centavos) até R$ 310.004,70 (trezentos e dez mil quatro reais e setenta centavos) por profissional PCD não contratado, conforme o grau de descumprimento. (MTP/ME Nº 23)
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n° 13.146/15, por sua vez, engloba os direitos fundamentais, já regidos pela Constituição; as porcentagens de vagas destinadas as pessoas com deficiência, regidas pela Lei de Cotas e o diferencial que é a obrigatoriedade de adaptação à inclusão.
Antes do Estatuto, as empresas tinham a obrigação de contratar determinada porcentagem de pessoas com deficiência para o seu quadro de funcionários, após o Estatuto as empresas não só estão obrigadas a contratar, mas também a tomar todas as medidas necessárias para a independência da pessoa com deficiência em todos os aspectos da vida dentro daquela empresa.
É obrigatório que o ambiente de trabalho seja acessível e as empresas que não cumprem o estabelecido, estão sujeitas a aplicação de multa pelo descumprimento da Lei, ainda que tenha em seu quadro de funcionários a porcentagem mínima exigida.
De acordo com a Lei, entende-se como um ambiente acessível aquele no qual as barreiras são rompidas em todas as suas dimensões, isto é: urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, nas atitudes e nas tecnologias.
Desse modo, conclui-se que a Lei de Cotas, em conjunto com o Estatuto da Pessoa com Deficiência é efetiva para a inclusão no Mercado de Trabalho, visto que não basta apenas a garantia da vaga, pois de nada adianta a vaga se o funcionário não consegue se manter na mesma por falta de acessibilidade. Ademais, a Lei garante ainda a colocação competitiva, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, nos termos da legislação trabalhista e previdenciária, ou seja, efetividade não só para a garantia da vaga, mas também na possibilidade de crescimento profissional dentro da empresa.
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[1] Lei das XII Tábuas. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/12tab.htm - acesso em 17 de janeiro de 2024
[2] SILVA, Otto Marques. A epopeia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1987. p. 153.
Att,
Justiliana Sousa, advogada. Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil, pela UNINASSAU.
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